Ciência, Tecnologia e Sociedade

Houve uma época em que a Ciência se confundia com a Filosofia e a Religião, não que isso não fosse bom (e que não exista ainda), mas o fato é que a Ciência não tinha a sua autonomia. Nessa época, o que chamamos de Tecnologia se restringia ao artesanato e à arte de guerrear, e a Ciência/Religião/Filosofia pouco contribuía de forma massiva para a sua evolução. Já a Sociedade, extremamente estratificada, feudal e sem indústrias, evoluía vagarosamente, sem que a Ciência e a Tecnologia a impulsionassem com mais vigor. Havia ainda um abismo praticamente intransponível entre a academia e a tradição popular.

Essa era a Idade Média: tempos de trevas morais, sociais, filosóficas e científicas, que finda com a ascensão do Capitalismo e o advento da era da indústria.

Sem desmerecer a importância dos processos sociais que se deram nesta época, hoje as coisas são bem diferentes. Ciência, Tecnologia e Sociedade se misturam de tal forma sintética que, nos tempos atuais, torna-se impossível a tarefa de separá-las. No entanto tentemos, didaticamente, compreender cada uma dessas três vertentes do progresso humano.

Vejamos: a Ciência poderia ser compreendida como todo um sistema de conhecimentos a cerca de um objeto que lhe seja próprio, tendo, além disso, seu próprio método de investigação. Já a Tecnologia se caracterizaria pela aplicação dos conhecimentos científicos no sentido da produção de alguma coisa, ou seja, seria como que o resultado prático das pesquisas teóricas. Por fim, a Sociedade, no sentido que queremos aplicar, somos nós mesmos, um agrupamento de seres humanos vivendo de acordo com regras e costumes comuns.

Mesmo que as definições sejam diferentes e tenham sido “reducionistamente” separadas no parágrafo acima, existem relações intrínsecas, inevitáveis e vitais entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, forçando-nos a um pensamento mais sistêmico, de forma a perceber a rede de conexões que forma o todo.

O que é descoberto ou pesquisado pela Ciência impulsiona a Tecnologia, modificando-lhe inclusive a produção dos artefatos. Por outro lado, a própria Ciência se utiliza da Tecnologia, por ela mesma desenvolvida outrora, para progredir agora. Vide a utilização de computadores, microscópios eletrônicos de varredura e satélites geoestacionários (artefatos tecnológicos), em prol do desenvolvimento científico, mas que são, por sua vez, produtos de pesquisas em eletrônica, teoria da computação, física quântica e física relativística. Em conseqüência, temos o impacto do desenvolvimento científico e tecnológico na sociedade. Exemplos nos dias atuais? A Internet com sua rede de informações, comunicações e comunidades virtuais; os smartphones, que são mais do que simples meios de comunicação; o GPS, que permite a localização, por meio de uma rede de satélites e com pequeno grau de erro, de qualquer coisa na superfície da Terra; a TV digital; o blu-ray; os instrumentos que permitem a manipulação genética de bactérias… enfim, artefatos que modificam o meio social de forma cada vez mais rápida e radical nesta época de globalização inevitável; mas são também frutos dos anseios humanos. Aliás, chegamos ao outro lado da moeda: a própria Sociedade influencia no modo como progridem a Ciência e a Tecnologia. Vivemos, cá no Ocidente, num sistema econômico capitalista informacional (ou pós-industrial), cujo conjunto de valores são (muitas vezes acriticamente) assumidos pela Sociedade como um todo. Assim, esses valores acabam ditando o caminho por onde devem caminhar as pesquisas científicas e, consequentemente, as aplicações tecnológicas.

Dessa forma, caminham a produção de automotores, bugigangas tecnológicas, o Projeto Genoma, a pesquisa com clonagens e a exploração da biodiversidade da Amazônia, ao sabor dos ventos do capital.

E por falar em biodiversidade, o economista Gonzalo Enríquez, mestre em política científica e tecnológica, pela Unicamp, professor da UFPA e doutorando (muito provavelmente já doutor!) em gestão do desenvolvimento sustentável na UnB (dados de abril de 2005), escreveu interessante texto intitulado: Os caminhos da bioprospecção para o aproveitamento comercial da biodiversidade na Amazônia. (disponível em: www.comciencia.br/reportagens/2005/04/10.shtml)

Enríquez afirma que a preocupação com a biodiversidade se divide em antes e depois da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), realizada no Rio de Janeiro em 1992. Antes da CDB, eram protegidos os animais “carismáticos” (de estimação, por exemplo) e áreas de “beleza exuberante”. Com o avanço da tecnologia, a partir dos anos 80, percebeu-se a importância econômica dessas áreas: dá-lhe exploração! Já após a CDB, tem-se novas regras a fim de se promover justiça e equidade para tais explorações e comercialização de produtos naturais, acirrando, assim, os debates entre empresas, indústrias, consumidores, organizações não governamentais (ONGs), organizações sócio-ambientais e populações locais (essas três últimas, mais interessadas na preservação e no uso sustentável).

No caso específico da Amazônia, Enríquez acentua a importância da exploração sem devastação, ou seja, de forma sustentável. Mas tal medida empacaria no grande desconhecimento da distribuição dos potenciais da floresta, na falta de mecanismos para agregar valor de mercado aos produtos e nas comunidades locais, que muito conhecem da floresta, mas são excluídas injustamente do processo produtivo. Então o economista aponta a bioprospecção como uma saída interessante, uma vez que se trata de um mecanismo capaz de possibilitar novos conhecimentos para o uso comercial da biodiversidade e melhores condições de vida e inclusão social para as comunidades locais. Isso tem gerado acordos (já existentes no Brasil) entre empresas interessadas na exploração de produtos naturais e comunidades locais, dos quais o autor cita alguns exemplos.

O texto deixa bem claro a questão política e econômica que envolve a utilização de tecnologias e conhecimentos científicos na exploração de recursos naturais, sem falar no impacto ambiental e social que pode ser benéfico ou não, a depender dos mecanismos político-sociais adotados.

Percebemos, com facilidade, com este simples exemplo, a inexorabilidade das relações intrínsecas entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. Se quisermos mudar um ponto, precisamos mudar o todo, e para mudar o todo sustentavelmente é preciso mudar muitos pontos, paradigmas precisam ser completamente revistos. Quem sabe, essa mudança paradigmática de valores não possa traçar rumos mais humanitários à Ciência e à Tecnologia, em prol de uma Sociedade mais justa e feliz? Só tentando para saber!

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