O Computador e a Tecnologia Assistiva como ferramentas adequadas ao processo de ensino-aprendizagem no Atendimento Educacional Especializado da escola regular

Há uma irreversível inclinação no cenário atual da educação brasileira (e mundial) para o estudo e aplicação da Educação Inclusiva em todos os âmbitos e modalidades educacionais e em todo o sistema nacional de ensino.

Pressupõe a Educação Inclusiva o acolhimento das diferenças humanas e a promoção incondicional do acesso de todos, indistintamente, à educação formal. E de forma mais abrangente, a Inclusão pressupõe a adequação de toda a sociedade no sentido de promover esse acesso em todas as suas dimensões, não apenas à educação, mas ainda aos serviços (públicos ou não) de saúde, trabalho, transporte, segurança, infraestrutura, lazer etc., com respeito pelas diferenças e igualdade de oportunidades a todos.

Neste sentido, o presente texto tem como foco o Atendimento Educacional Especializado na escola regular, dentro da perspectiva da Educação Inclusiva.

E neste contexto, o uso do computador pessoal com o auxílio da Tecnologia Assistiva, jogos, softwares educacionais, linguagem de programação, além de diversas outras ferramentas computacionais, torna-se bastante relevante.

O Computador na Educação Escolar

No contexto educacional, historicamente, o computador vem surgindo como um importante recurso pedagógico, que deve estar em harmonia com os demais. Embora seu uso adequado ainda se mostre nebuloso em muitas escolas, é notável que se trata de uma ferramenta ímpar e versátil, de rápido acesso à informação (por meio da Internet e enciclopédias digitais), de fácil manipulação da informação (textual, sonora, visual) e de geração da informação, além de ser um instrumento cada vez mais presente na vida dos alunos de todas as idades.

Neste sentido, pode-se apresentar quatro modalidades de uso dos computadores nas escolas:

1)   o ensino da informática, que apresenta o computador como um fim em si mesmo;

2)   o computador como recurso de ensino, por meio de tutoriais, jogos, simuladores e exercícios;

3)   o computador como ferramenta investigativa, servindo como instrumento de pesquisa, de manipulação da informação, de criação e construção do conhecimento e de programação lógico-computacional;

4)   o computador como instrumento pedagógico próprio, uma tecnologia assistiva que, em seu uso, pode abranger as três primeiras modalidades (essa quarta modalidade será comentada em tópico próprio).

Interessa-nos, no entanto, o uso do computador como recurso de ensino, como ferramenta investigativa e como tecnologia assistiva.

Na segunda modalidade citada, portanto, o computador é utilizado como um recurso de ensino semelhante à lousa, aos livros, cadernos de exercícios, jogos e demais recursos comuns à cultura escolar, entretanto ele surge acrescido de instrumentos outros muito mais versáteis e flexíveis, com riquezas sonoras e visuais difíceis de serem implementadas nos recursos tradicionais.

Neste sentido, os jogos, simuladores, exercícios e diversos softwares educativos funcionam como uma expansão do que já ocorre em sala de aula, para os quais o professor não precisa de muito treino e o aluno assume naturalmente o papel de aprendiz.

Entretanto, em muitos softwares de exercício e prática, apesar de sua indiscutível utilidade devido à grande soma de exercícios de diferentes gradações, o aluno acaba assumindo uma condição passiva, respondendo questões e apenas verificando se acertou ou não. Há, porém, softwares que auxiliam o aluno a compreender o seu erro e a fazer uma nova tentativa, além disso alguns exibem um relatório final que auxilia o professor na avaliação quantitativa.

Já os jogos, mais atrativos e prazerosos, podem apresentar um pouco mais de interatividade e maior liberdade ao aluno, por ser de natureza exploratória auto-dirigida (aprende-se brincando), embora o professor precise ter cuidado para que a competição não se sobreponha ao aprendizado.

Os softwares de simulação são ainda mais interessantes, pois permitem a experimentação virtual de situações reais, por meio de modelos dinâmicos e simplificados de objetos ou fenômenos do mundo palpável. São bastante úteis, por exemplo, quando uma exploração real possa ter algum risco, ser muito complicada, cara ou mesmo impossível de ser realizada. A simulação permite, pois, a elaboração de hipóteses por parte do aluno, que as testa de forma segura, comprova, rejeita, formula novas hipóteses, toma decisões etc.

Nada impede que essas três formas características (exercícios, jogos e simulação – ou ainda outras) apareçam em um mesmo software, mas é notável que com a simulação, a modalidade de uso do computador vai saindo de simples recurso de ensino para ferramenta de investigação. Entretanto, jamais deve substituir totalmente as situações reais de experimentação.

De qualquer modo, sem a orientação adequada do professor durante a interação do aluno com o computador, a inserção da máquina no processo de aprendizagem pode surtir efeitos muito superficiais. Para além disso, porém, o uso do computador em outras modalidades, que não unicamente como recurso de ensino, auxilia para que não se caia na superficialidade, pois a ênfase na inserção dessa tecnologia na escola deve ser a construção do conhecimento por parte do aluno.

Assim, como ferramenta investigativa, o computador não é apenas um instrumento de ensino, mas um instrumento sobre o qual ou por meio do qual o aluno desenvolve alguma habilidade, executa uma tarefa ou constrói um conhecimento novo. Neste sentido, o computador é utilizado para a elaboração de textos e planilhas com fins diversos; pesquisa em enciclopédias digitais ou na Internet; comunicação em rede; composição de imagens, vídeos e músicas; manipulação e processamento consciente da informação; ou resolução de problemas por meio de uma linguagem de programação.

O aluno pode, por exemplo, realizar uma pesquisa na Internet em diversas fontes, escrever um texto síntese sobre aqueles assuntos, esboçar as informações ali presentes em forma gráfica, elaborar imagens que ilustrem o seu texto e, por fim, compor um vídeo didático. Tudo isso com relativa autonomia.

Em resumo, como instrumento de ensino, o computador é como um “tutor”, já vem pronto para que o aluno o utilize com aquela finalidade específica estipulada pelo software educativo. Como ferramenta investigativa, é o aluno que dá ao computador uma finalidade. Isso se torna ainda mais patente, quando o aluno utiliza uma linguagem de programação (linguagens lógico-matemáticas precisas e não-ambíguas) para a resolução de algum problema, pois então é o aluno quem está programando o que o computador deve fazer. Assim, o aluno elabora o seu programa, testa-o, verifica se suas idéias estavam corretas, formula hipóteses, encontra seus erros, aperfeiçoa seu pensamento.

Vê-se, portanto, que o uso em conjunto do computador como instrumento de ensino e como ferramenta investigativa tende a aprimorar bastante o processo de ensino-aprendizagem.

Pode-se citar, de acordo com o ITS Brasil, [INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL, 2008], algumas das vantagens do uso desse tipo de tecnologia de informação e comunicação (TIC):

  • Estimulação multissensorial;
  • Progressão multidirecional;
  • Multimídia;
  • Trabalho colaborativo;
  • Troca de informação;
  • Aprendizagem ativa, exploratória e inquisitiva;
  • Pensamento crítico e tomada de decisões;
  • Ação planejada, integrativa e por iniciativa.

Há alunos, no entanto, para os quais o computador tem se mostrado ainda mais como um excelente recurso pedagógico (quando utilizado coerentemente). São alunos que apresentam deficiências auditivas, visuais, físicas, intelectuais ou múltiplas; transtornos globais do desenvolvimento (TGD); ou superdotação.

Esses alunos devem ser atendidos na escola regular, no Atendimento Educacional Especializado.

O Computador no Atendimento Educacional Especializado (AEE)

O que é o AEE? Ao AEE cabe identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Se destina aos alunos citados anteriormente, ou seja, que possuem alguma deficiência física, sensorial (auditiva ou visual), intelectual ou múltipla (associação de duas ou mais deficiências), TGD (autismo, Síndrome de Asperger), ou superdotação. Neste atendimento, são realizadas atividades que não são próprias à classe comum e são específicas para cada aluno individualmente, visando diagnosticar suas potencialidades e desenvolvê-las, com respeito ao seu ritmo de aprendizado e suas necessidades educacionais. Normalmente ocorre no contra-turno às atividades regulares do aluno na escola (mas não pode ser confundido com apoio e reforço escolar).

Podemos citar alguns exemplos de utilização do computador no AEE:

  • Aos alunos com surdez, o computador é excelente instrumento de linguagem visual, trazendo uma riqueza de imagens e vídeos a serem trabalhados tanto em sua língua natural (Libras) quanto na língua portuguesa, a depender do momento;
  • Aos alunos com cegueira ou baixa-visão, o computador pode ser utilizado como leitor com sintetizador de voz, facilitando a leitura de textos digitalizados;
  • Os jogos ajudam no desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e linguístico de alunos com deficiência intelectual; assim como os simuladores trazem uma visualização mais concreta de conceitos científicos, tanto para estes alunos quanto para alunos com TGD;
  • A pesquisa de informações pelo computador auxilia na obtenção de maior autonomia intelectual por parte de todos;
  • Aos alunos com mobilidade reduzida, a utilização de preditores e processadores de textos os auxilia a escrever com maior rapidez, substituindo em parte o lápis e o caderno;
  • Aos alunos com superdotação, são introduzidos desafios novos por meio da pesquisa, da síntese de conhecimentos e da utilização da lógica de programação.

Enfim, há uma infinidade de possibilidades de utilização do computador no AEE, dependendo apenas da iniciativa criativa do professor-pesquisador-gestor do processo de ensino-aprendizagem. E quando falamos em computador, não nos referimos unicamente aos PCs, mas também aos notebooks, netbooks, tablets etc.

Além disso, existem os recursos da Tecnologia Assistiva (softwares, hardwares e outros dispositivos) que permitem o acesso das pessoas com deficiência ao computador, promovendo o seu desenvolvimento intelectual, cultural e social.

O Computador e a Tecnologia Assistiva (TA)

Dentro das seis dimensões atualmente definidas para o conceito de acessibilidade – arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal – é do escopo deste ensaio duas delas: as dimensões comunicacional e instrumental. Neste contexto se insere a Tecnologia Assistiva.

O conceito de Tecnologia Assistiva é bastante amplo, trata-se de:

uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. [Comitê de Ajudas Técnicas, Corde/SEDH/PR, 2007 apud INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL, 2008]

A Tecnologia Assistiva no contexto da escola visa, portanto, garantir uma melhora na autonomia, comunicação, mobilidade, interação e aprendizagem do aluno com deficiência, TGD ou limitações diversas.

O computador pode, então, ser uma TA, bem como se pode utilizar alguma TA para o acesso ao computador. Explicando melhor: utilizamos o computador como TA quando este é uma ajuda técnica para se atingir um determinado objetivo. E utilizamos o computador por meio da TA quando esta é que é uma ajuda técnica para o acesso ao computador (o objetivo).

Dois importantes exemplos do computador como TA são relacionados abaixo:

  • O computador substituindo o lápis e o caderno, para alunos com mobilidade reduzida, deficiência física ou múltipla, que têm limitada a sua capacidade de escrever no papel;
  • A utilização de softwares para comunicação alternativa e ampliada, que auxiliam na promoção da comunicação presencial e em tempo real de alunos com ausência ou prejuízo da fala.

Exemplos de TA para a utilização dos computadores são os softwares especiais de acessibilidade, tais como:

  • Simuladores de teclado (teclados virtuais);
  • Simuladores de mouse (como headmouses e seguidores oculares);
  • Ampliadores de tela e lupas virtuais;
  • Leitores de tela;
  • Preditores de texto (softwares que fornecem uma lista de sugestões de palavras mais prováveis, após as primeiras letras serem digitadas) – que podem funcionar também como comunicação alternativa;
  • Softwares mistos (naturalmente, uma conjunção dos exemplos citados).

Há outras formas de TA para a utilização de computadores, como adaptações físicas ou órteses e adaptações de hardware, mas que fogem ao escopo deste texto.

No fim, o objetivo geral é contribuir para o pleno desenvolvimento de habilidades e potencialidades dos alunos atendidos no AEE, utilizando para isso o computador como instrumento de ensino, como ferramenta de investigação e como tecnologia assistiva.

O interessante é que, se bem compreendido, o que foi falado até aqui sobre o uso do computador no AEE serve também à classe comum, serve a qualquer tipo de aluno.

A discussão é longa, e a variedade de possibilidades de utilização do computador na escola é virtualmente infinita.

Entretanto, voltando nossa atenção ao uso do computador como ferramenta de investigação, e nos detendo mais ainda na programação, ou na lógica de programação, veremos que mesmo o instrumento – o computador – pode ser dispensado, restando o vasto mundo da lógica matemática a ser explorado!

Mas esse é um papo para uma outra oportunidade…

Bibliografia

BRASIL, MEC/SEESP. Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007.

BRASIL. Decreto nº. 5.296 de 2 de dezembro de 2004.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

FILHO, Teófilo Alves Galvão; DAMASCENO, Luciana Lopes. Tecnologia Assistiva em ambiente computacional: Recursos para a autonomia e inclusão sócio-digital da pessoa com deficiência. In: INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL. Tecnologia Assistivas nas Escolas – recursos básicos de acessibilidade sócio-digital para pessoas com deficiência. São Paulo: ITS Brasil, 2008.

INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL. Tecnologia Assistivas nas Escolas – recursos básicos de acessibilidade sócio-digital para pessoas com deficiência. São Paulo: ITS Brasil, 2008. Disponível em: www.itsbrasil.org.br/pages/23/TecnoAssistiva.pdf. Acessado em: 14 jun 2010.

MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? 2ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 2006.

PORTAL NACIONAL DE TECNOLOGIA ASSISTIVA. Disponível em: www.assistiva.org.br. Acessado em 15 jun 2010.

VALENTE, José Armando. Diferentes usos do Computador na Educação. Disponível em: http://usuarios.upf.br/~carolina/pos/valente.html. Acessado em: 14 jun 2010.

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