Em primeiro lugar não entendemos inovador como simplesmente “o novo”, mas como o novo que faz sair do marasmo, o novo que põe em movimento o velho que estava parado.
Em nosso instituto (IFTM-Uberlândia), temos trabalhado com os alunos algumas ideias e conceitos a respeito dos processos educacionais. Como se trata de um curso de licenciatura, é natural que estudemos as várias tendências pedagógicas e, claro, tecemos algumas críticas ao modelo tradicional de educação.
Enquanto estamos no campo teórico, a conversa a respeito de propostas inovadoras flui naturalmente, mas quando tentamos visualizar como se dariam essas práticas, os alunos costumam se sentir inseguros e desconfiados.
Ao longo de nossa experiência docente, percebemos que não só os alunos, mas muitos docentes também apresentam os mesmos e mais acentuados sintomas.
De ambos surge um questionamento comum: como fazer uma escola diferente se o governo isso, o governo aquilo, a lei, o vestibular, os exames externos…? Em suma, a dúvida se situa no seguinte: a nossa legislação permite que as escolas sejam tão inovadoras a ponto de não adotarem o sistema de séries, não terem aulas nem notas, não terem disciplinas nem horários, e permitirem que cada estudante aprenda o que quer e quando quer?
A resposta é sim!
Há um suporte legal para isso. A nossa Constituição Federal, nos artigos 205 e 206, e a nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nos artigos 1°, 2° e 3°, são claros a respeito (grifos meus).
Constituição
Art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade.
LDB
Art. 1º – A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
Art. 2º – A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 3º – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extra-escolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

Fonte da imagem: http://migre.me/a7Ri0
A despeito da abertura que a legislação nos dá, há um grande receio em se mudar a escola, cujas causas poderiam (em um ensaio despretencioso) ser listadas a seguir:
- o medo (da lei, da mudança, do complexo, do incerto);
- o tradicionalismo como porto seguro;
- o conformismo como resultado da frustração;
- o desconhecimento (ignorância voluntária) da legislação;
- o desconhecimento de propostas pedagógicas inovadoras e exitosas (temporalmente e geograficamente espalhadas);
- a dificuldade em transpor (diferente de aplicar) a teoria para a prática;
- a dificuldade em sair do mecanicismo para a dialética ou para a complexidade.
De todas as causas, parece-me que o medo é a base. O medo de ir contra a lei se desdobra, ironica e tragicamente, no não atingimento dos objetivos eduacionais previstos na própria lei.
Obviamente, a lei não incita à mudança. Não cabe a ela. Mas ela a permite.
Conhecer, interpretar e compreender a legislação é essencial para o docente que já se cansou do atraso sistemático em que se demoram os processos educacionais no Brasil.
Fala-se em inclusão, fala-se em respeito ao ritmo do aluno, fala-se em muita coisa, mas acriticamente tenta-se visualizar como isso se daria na escola que está aí. Não vai funcionar, não vai. Para dar conta do que prevê a Constituiçao e a LDB, a escola precisa ser reinventada. Não do nada. E não por meio de decretos do MEC ou de conselhos do CNE. Mas por meio do diálogo e da ousadia proveiente de dentro da própria escola. Por meio do estudo e da ação, coordenados e coerentes.
A escola dificilmente será inclusiva, ou respeitará o ritmo de cada aluno, sem levar em consideração, e mesmo facilitar, os percursos individuais (ou de pequenos grupos) de aprendizagem. Os objetivos previstos na lei podem ser atingidos mais facilmente por este caminho. Muitos já perceberam isso. Mas a verdade é que na escola tradicional, esse tipo de trabalho é quase impossível. A mudança paradigmática é, portanto e sem dúvida, impreterível.
De qualquer modo, como já apontamos, ela deve ser feita em equipe, por toda a comunidade educativa (administradores, professores, alunos e pais) e em toda a escola.
A mudança partirá da mente e do coração de cada grupo de professores espalhados nas escolas desse país. Aí é que reside a nossa esperança e desaparece o nosso medo.
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Ah, sim! Mas a ação de grupos gera demanda. A ideia é que de pouco em pouco haja uma pressão de baixo pra cima, aí sim os decretos serão bem vindos. Se não fosse por Constantino, o Ocidente não se tornaria cristão tão cedo, mas se não fosse a pressão que veio de baixo, tampouco Constantino teria iniciado algo!
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Olá Rogério, parabéns pelo texto! Concordo com você e aproveito para acrescentar uma razão a mais, além das que você citou, que dificulta as mudanças: o formalismo em que o Sistema Educacional brasileiro está encerrado, principalmente no âmbito público e gratuito. Ou seja, quem seria o sujeito desta mudança? Ela sempre vai depender de iniciativas isoladas e individuais (no máximo, de pequenos grupos), mas dificilmente será de abrangência global. Sendo assim, por mais que seja bem sucessida, poderá estar sempre sob desconfiança. Creio que resolver este dilema é a nossa primeira tarefa.
Abraços,
Paulo Irineu
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